ESC 2021: Comentário sobre o Estudo ENVISAGE-TAVI - AF
Esse estudo traz novidades a respeito do uso de anticoagulantes no cenário de pacientes submetidos a troca de válvula aórtica pelo método percutâneo (TAVI). Foi um estudo patrocinado pela indústria farmacêutica.
O objetivo do trial foi verificar a eficácia e a segurança do uso da edoxabana comparada com os antagonistas da vitamina k (VKA) entre os pacientes submetidos a TAVI e que tinham o diagnóstico de fibrilação atrial (FA).
O desenho do estudo foi aberto 1:1 para uso de 60mg de edoxabana (n=713) ou VKA tendo como alvo o INR entre 2 a 3 (n=713). O uso de antiplaquetários foi permitido a critério do médico, deixando um esquema de terapia antiplaquetária dupla por até 3 meses após a TAVI ou terapia antiplaquetária única indefinidamente.
Em relação ao estudo foram 540 dias de seguimento com uma média de idade de 82,1 anos e 45,7% de mulheres. Os critérios de inclusão foi idade superior a 18 anos, TAVI com sucesso sem complicações peri-procedimentos e diagnóstico de FA. O critério de exclusão foi situações coexistentes com alto riso de sangramento. Outros dados relevantes foram incidência de 17% de acidente vascular encefálico (AVC) prévio, média de CHa2DS2-VASc de 4,5 e média de tempo com VKA em alvo de INR de 68,2%.
O desfecho primário, mortalidade por todas as causas, infarto do miocárdio, AVC, evento tromboembólico sistêmico, trombose de válvula ou sangramento maior foi para edoxabana vs VKA 17,3/100 vs 16,5/100 P=0,01 para não inferioridade.
O endpoint de segurança primário, sangramento maior: 9,7 / 100 PY vs. 7/100 PY (HR 1,40, IC 95% 1,03-1,91, p = 0,93 para não inferioridade. Desfechos secundários para edoxabana vs. VKA: Mortalidade por todas as causas: 7,8 / 100 PY vs. 9,1 / 100 PY; AVC isquêmico: 2,1 / 100 PY vs. 2,8 / 100 PY; Trombose de válvula: 0 vs. 0; Hemorragia intracraniana: 1,5 / 100 PY vs. 2,1 / 100 PY.
Os achados do presente estudo indicam que a edoxabana não é inferior ao VKA para eficácia, mas não atendeu aos critérios de não inferioridade para sangramento entre pacientes submetidos a TAVi com FA (eventos de sangramento, principalmente eventos de sangramento gastrointestinal, foram maiores). Não houve eventos de trombose valvar clínica.
Esses resultados são geralmente semelhantes aos dados com edoxabana entre pacientes com FA, mas não submetidos a TAVI; as taxas de sangramento mais altas podem ser um reflexo da população inscrita: idosos e frágeis com múltiplas comorbidades.
No estudo GALILEO, a rivaroxabana em baixa dosagem teve resultados piores em comparação com a terapia antiplaquetária entre pacientes submetidos a TAVI e que não tinham indicação de anticoagulação oral. No estudo ATLANTIS, o apixabana foi superior ao VKA na redução da trombose da válvula na tomografia computadorizada 4D entre pacientes com TAVI que tinham indicação para anticoagulação oral, mas tiveram resultados clínicos semelhantes. Entre os pacientes que não tinham indicação para anticoagulação oral, a mortalidade cardiovascular foi maior com apixabana em comparação com o uso de terapia antiplaquetária.
Um comentário adicional é que no estudo o tempo de INR na faixa se deu em torno de 68%, o que em um cenário controlado ainda sim mostra o quanto é difícil o manejo desses pacientes. Dessa forma, a análise de sangramento pode ter esse viés tendo em vista que o uso da edoxabana gera um controle de anticoagulação mais estável.
Referências Bibliográficas:
Van Mieghem NM, Unverdorben M, Hengstenberg C, et al., on behalf of the ENVISAGE-TAVI AF Investigators. Edoxaban Versus Vitamin K Antagonist for Atrial Fibrillation After TAVR. N Engl J Med 2021;Aug 28:[Epub ahead of print].
Dr. Guilherme D`Andréa Saba Arruda
Médico Coordenador da Cardiologia Rede D`Or Regional São Paulo
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