Já é de conhecimento que os pacientes com disfunção ventricular e/ou congestão pulmonar após infarto agudo do miocárdio (IAM) apresentam maior probabilidade de morte e/ou insuficiência cardíaca (IC)1. Também já sabemos que os inibidores da enzima de conversão (IECA) demonstraram eficácia na redução das taxas de morte cardiovascular e IC pós IAM 2-3. Com o subsequente desenvolvimento dos bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA) foi questionado se este modo mais seletivo de inibir o sistema renina angiotensina poderia fornecer maior eficácia e tolerabilidade que os IECA. Esta hipótese já foi testada em dois grandes ensaios clínicos que compararam BRA vs IECA pós IAM 4-5. Embora nenhum dos dois ensaios clínicos tenham demonstrado superioridade, em um deles, projetado para testar a não inferioridade, preservou os benefícios clínicos da valsartana comparado ao IECA. Além disso, a combinação de IECA e BRA resultou em mais eventos adversos indicando que a inibição do sistema renina angiotensina pelo IECA e BRA não produz benefício adicional6.
No ACC-21 foi apresentado o PARADISE-MI. Estudo pioneiro cuja hipótese testada foi de que sacubitril-valsartana preveniria o desenvolvimento de IC e morte cardiovascular após infarto agudo do miocárdio em uma população de alto risco.
O PARADISE-MI foi estudo fase 3, duplo cego, desenvolvido em 41 países, que randomizou indivíduos, sem IC prévia, entre 12 horas e 7 dias após infarto agudo do miocárdio para sacubitril-valsartana (dose alvo: 97/103 mg 2xdia) ou ramipril (dose alvo: 5 mg 2xdia). Como critério de inclusão foram selecionados indivíduos com infarto agudo e fração de ejeção ≤ 40% e/ou congestão pulmonar com pelo menos um fator de risco adicional: idade ≥ 70 anos, fibrilação atrial, clearance de creatinina ≤ 60 ml/min/1,73m2 pelo MDRD, fração de ejeção ≤ 30%, diabetes, Killip III ou IV, infarto prévio ou infarto com supra do ST sem reperfusão nas primeiras 24h.
Características clínicas principais evidenciando grupo de alto risco:
5669 pacientes
Idade média 64 anos
23-25% sexo feminino
16% infarto prévio
42% diabetes
76% infarto com supra do segmento ST
68% parede anterior – 88% angioplastia primária – FE média 36-37%
4,3 dias para randomização
85% em uso de b-bloqueador
41% em uso de MRA
78% em uso de IECA/BRA
Resultados:
Nos pacientes do grupo sacubitril-valsartana ocorreram 6.7 eventos por 100 pacientes-ano comparado 7.4 eventos por 100 pacientes-ano com o ramipril. A diferença absoluta de risco 0.7 se traduziu em uma HR 0.9 (IC95%: 0.78-1.04), p=0.17. Os três desfechos secundários (morte cardiovascular, hospitalização por IC e IC após alta hospitalar) analisados também não atingiram significância estatística. Efeitos adversos não foram diferentes entre os grupos, embora evidenciado mais hipotensão no grupo sacubitril-valsartana.
O PARADISE-MI foi um estudo negativo.
Durante a apresentação do ensaio clínico no ACC-21 foram demonstrados diferentes forma de mensuração do resultado: total de eventos e eventos relatados pelo investigador. Em ambos, evidenciado resultados favoráveis a terapia com AIRNs. No entanto, devemos lembrar que quando projetamos ensaios clínicos o objetivo final a ser mensurado é o end-point primário. Aquele para o qual foi projetado o estudo! Para o qual o PARADISE-MI não atingiu significância estatística.
Devemos dessa forma memorizar a primeira frase do slide de conclusão: “Sacubitril-valsartan DID NOT result in a significantly lower rate of CV death, Heart failure hospitalization or Outpatient heart failure requiring treatment.” Além, e principalmente, o último slide apresentado mostrando o quanto evoluímos no tratamento medicamentoso da insuficiência cardíaca.
Referências:
1. Van Diepen S, Chen AY, Wang TY, Alexander KP, Ezekowitz JA, Peterson ED, Roe MT. Influence of heart failure symptoms and ejection fraction on short- and long-term outcomes for older patients with non-ST-segment elevation myocardial infarction. Am Heart J 2014;167:267–273.e1.
2. Pfeffer MA, Braunwald E, Moyé LA, Basta L, Brown EJ, Cuddy TE, Davis BR, Geltman EM, Goldman S, Flaker GC, Klein M, Lamas GA, Packer M, Rouleau J, Rouleau JL, Rutherford J, Wertheimer JH, Hawkins CM. Effect of captopril on mortality and morbidity in patients with left ventricular dysfunction after myocardial infarction. Results of the Survival and Ventricular Enlargement Trial. The SAVE Investigators. N Engl J Med 1992;327:669–677.
3. The Acute Infarction Ramipril Efficacy (AIRE) Study Investigators. Effect of ramipril on mortality and morbidity of survivors of acute myocardial infarction with clinical evidence of heart failure. Lancet 1993;342:821–828.
4. Kober L, Torp-Pedersen C, Carlsen JE, Bagger H, Eliasen P, Lyngborg K, Vide- baek J, Cole DS, Auclert L, Pauly NC. A clinical trial of the ACE inhibitor trandolapril in patients with left ventricular dysfunction after myocardial infarction. TRACE Study Group. N Engl J Med 1995;333:1670–1676.
5. Dickstein K, Kjekshus J. Effects of losartan and captopril on mortality and morbidity in high-risk patients after acute myocardial infarction: the OPTIMAAL randomised trial. Lancet 2002;360:752–760.
6. Pfeffer MA, McMurray JJ, Velazquez EJ, Rouleau J-L, Køber L, Maggioni AP, Solomon SD, Swedberg K, Van de Werf F, White H, Leimberger JD, Henis M, Edwards S, Zelenkofske S, Sellers MA, Califf RM; Valsartan in Acute Myocardial Infarction Trial Investigators. Valsartan, captopril, or both in myocardial infarction complicated by heart failure, left ventricular dysfunction, or both. N Engl J Med 2003;349:1893 – 1906.
7. Prospective ARNI vs ACE Inhibitor Trial to DetermIne Superiority in Reducing Heart Failure Events After MI (PARADISE-MI). https://clinicaltrials.gov/ct2/show/ NCT02924727 (25 February 2021).
8. Jering KS, Claggett B, Pfeffer MA, Granger C, Kober L, Lewisa EF, Maggioni AP, Mann D, McMurray JJV, Roleua JL, Solomon SD, Steg PG, Meer P, Wersing M, Carter K, Guo W, Zhou Y, Lefkowitz M, Gong J, Wang Y, Merkely B, Macin SM, Shah U, Nicolau JC, Braunwald E. Prospective ARNI vs ACE Inhibitor Trial to DetermIne Superiority in Reducing Heart Failure Events After MI (PARADISE-MI): design and baseline characteristics. European Journal of Heart Failure (2021). doi:10.1002/ejhf.2191.
Márcia Noya
Coordenadora Cardiologia Hospitais Aliança e São Rafael – Bahia
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