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  • Dr. Lucas Cronemberger

Atendimento de Dor Precordial: a Importância de uma Abordagem Sistemática

H.M.S., masculino, 42 anos, hipertenso, diabético, dislipidêmico, e tabagista. Há uma semana com episódios de dor retroesternal tipo queimação, duração de 20 minutos em média, por vezes após atividade física moderada, por vezes sem relação com o esforço, sendo o último há cerca de 7 horas da entrada no Pronto Socorro (PS) do Hospital do Coração do Brasil, Brasília-DF. Exame físico normal, eletrocardiograma (ECG) da entrada com alteração da repolarização ventricular, inespecífica. Troponina inicial, negativa. HEART Score = 04. Optado por estratificação não invasiva com angiotomografia de coronárias: placas não calcificadas nos segmentos proximal e médio da coronária descendente anterior (CDA), determinando estenoses luminais de cerca de 50%. (figura 01 A e B, seta branca).

Foi internado para investigação, e nas 48h subsequentes, troponinas seriadas negativas,ECG´s sem modificações, e não houve recorrência de precordialgia. Solicitada uma cintilografia de perfusão miocárdica com estresse físico, em que se observou supradesnivelamento de segmento ST transitório nas derivações anteriores, e episódios de taquicardia ventricular não sustentada (TVNS), sem dor precordial. O radiofármaco foi injetado durante as alterações descritas. Nas imagens, nota-se uma hipoperfusão transitória de grau acentuado em parede ântero-septal, segmento apical das paredes septal e anterior, e no ápice do ventrículo esquerdo, indicativa de isquemia miocárdica induzida por estresse físico, de grande extensão territorial (figura 02).

Confirmada a Síndrome Coronariana Aguda (SCA), o paciente foi encaminhado para o cateterismo cardíaco, que evidenciou lesão de 70% em CDA (figura 03 A), tratada com um stent farmacológico, com ótimo resultado final (figura 03 B).

O paciente foi de alta, permaneceu em seguimento no ambulatório do nosso serviço, e em dado momento foi realizada nova cintilografia, que demonstrou normalização da perfusão miocárdica nas paredes do ventrículo esquerdo pós angioplastia (figura 04).

Discussão:


A estratificação de dor torácica no PS tem evoluído ao longo das últimas décadas, dispondo de escores de risco bastante confiáveis para uso nos casos em que o plantonista tem dúvida quanto à causa diagnóstica (1). O mais estudado neste cenário é o HEART Score, ao passo que outros escores como o TIMI e GRACE foram idealizados para pacientes já admitidos por SCA (2). Trata-se de um mnemônico que pontua de 0 a 2 pontos para cada item (história da dor precordial, eletrocardiograma, idade, fatores de risco para doença coronariana e troponina da chegada). Se a soma dos pontos ficar entre 0 e 3, há embasamento para descartar SCA, com alto valor preditivo negativo. Caso o resultado esteja entre 7 e 10 pontos, o paciente é de alto risco de que a dor de fato tenha relação com doença coronariana instável, e a sugestão é para que se interne como SCA e realize o cateterismo. Pontuações intermediárias, como a do caso em questão, demandam maior período de observação hospitalar, e constitui o principal nicho dos exames de imagem não invasivos (1,3).


A angiotomografia de coronárias vem sendo bastante utilizada neste cenário, em virtude do seu alto valor preditivo negativo (VPN) e menor tempo para definição de conduta no PS, quando comparada à estratégia usual (1). No caso descrito, entretanto, a visualização de uma placa de 50% na CDA não descartou a possibilidade de SCA.


A cintilografia também é útil na vigência de dor precordial. Injetando-se o radiofármaco durante o episódio, descarta-se com alto VPN a relação causal entre a dor referida pelo paciente, e uma possível lesão coronariana existente. Essa estratégia foi estudada na população brasileira, em pesquisa realizada em nossa instituição, e publicada no JACC em 2020 (4). O racional é que se a perfusão miocárdica não está alterada em vigência de precordialgia, não se trata de isquemia. Contudo, o paciente descrito chegou sem dor há várias horas, o que limita a sensibilidade do método (5).


Com o paciente estável, troponinas seriadas negativas, ECG sem indícios de SCA, e uma lesão coronariana moderada, as opções seriam realizar um cateterismo com FFR para avaliar a repercussão da lesão observada na angiotomografia, ou a realização de uma cintilografia miocárdica com estresse físico e repouso, constituindo-se uma alternativa segura, acurada, e não invasiva; que reproduz na esteira os esforços realizados no dia a dia do paciente, ao tempo em que são avaliadas a capacidade funcional e cronotrópica, resposta do ECG ao esforço, possíveis arritmias, e reprodução de dor precordial.


No caso relatado, foi possível observar marcadores de alto risco no teste ergométrico, como presença de TVNS e supra de ST, achado incomum porém significativo, permitindo até a localização da parede acometida, diferente dos casos de infradesnivelamento (6); e na imagem da perfusão miocárdica, com isquemia de grande extensão territorial em território de CDA, estabelecendo a causa dos sintomas do paciente de maneira inequívoca.


Conclui-se a partir do exposto que a propedêutica adequada no fluxo de atendimento a um paciente com dor torácica é crucial para evitar alta inadequada do PS, e os métodos de imagem não invasivos podem ajudar em casos selecionados.


Referências Bibliográficas


1. Nicolau J.C. et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021. 2021;00(00):00.

2. Tomaszewski, C.A. et al. Clinical Policy: Critical Issues in the Evaluation and Management of Emergency Department Patients With Suspected Non–ST-Elevation Acute Coronary Syndromes. Ann Emerg Med. 2018;72:e65-e106;

3. Six, A.J. et al. Chest pain in the emergency room: value of the HEART score. Neth Heart J 2008;16:191-6;

4. Mendes, L.C.M et al. Comparison Between HEART Score and Rest Myocardial Perfusion Imaging in the Evaluation of Acute Chest Pain at the Emergency Department. J Am Coll Cardiol. 2020 Mar, 75 (11_Supplement_1) 1642;

5. Better, N. et al. Performance of rest myocardial perfusion imaging in the management of acute chest pain in the emergency room in developing nations (PREMIER trial). J Nucl Cardiol 2012;19:1146–53;

6. Meneghelo R.S. et al. III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia Sobre Teste Ergométrico. Arq Bras Cardiol 2010; 95(5 Supl 1): 1-26.



Dr. Lucas Cronemberger

Cardiologista do Hospital do Coração do Brasil e do DFStar - Rede D´Or - Brasília/DF;

Preceptor da Residência de Cardiologia do Hospital de Base;

Médico Nuclear do Hospital do Coração do Brasil.

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