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  • Dra. Márcia Noya

Quais os principais efeitos adversos dos inibidores SGLT-2?

Ao longo dos últimos anos estamos observando o crescente entusiasmo dos cardiologistas no entendimento de estratégias para controle da hiperglicemia. Isso é decorrente do advento de novas classes de drogas com consistente benefício cardiovascular. Dentre elas, destaca-se os inibidores SGLT-2 (SGLT-2i) tornando necessário conhecermos o perfil de segurança e reações adversas dessas medicações. Abaixo relatamos algumas dessas reações adversas:


1. Hipoglicemia

O risco de hipoglicemia associada aos inibidores SGLT-2i é baixo. Esse risco é semelhante ao observado ao placebo ou com comparadores ativos, como metformina, glitazonas ou gliptinas, e menor do que o relatado com sulfonilureias ou insulina. Como consequência, o SGLT-2i é considerado uma boa escolha como terapia adjuvante à metformina quando a hemoglobina glicada (HbA1c) não está no alvo. Se um SGLT-2i for adicionado a uma sulfonilureia ou terapia com insulina, pode ocorrer hipoglicemia, uma condição que pode exigir uma redução na dosagem diária do secretagogo de insulina ou insulina exógena1.


2. Infecções do trato urinário (ITU)

Alguns estudos iniciais de fase 2-3 relataram que a glicosúria, induzida farmacologicamente com SGLT-2i, aumenta o risco de desenvolver infecção do trato urinário. Posteriormente, uma meta-análise (n = 60.082) não demonstrou nenhuma diferença significativa no risco de ITU. Há relatos pós-comercialização de ITU grave ocorrendo em pacientes recebendo inibidores de SGLT-2, incluindo casos de ITU complicada aguda e pielonefrite 1-2.


3. Infecções genitais micóticas

Em contraste com as infecções do trato urinário, as infecções genitais micóticas mostraram-se consistentemente mais frequentes em pacientes tratados com SGLT-2i em comparação com placebo ou outros hipoglicemiantes. Os eventos foram geralmente leves a moderados em intensidade, clinicamente controláveis com boa resposta à terapia antimicótica padrão e raramente levaram à descontinuação do tratamento. No geral, o risco de infecções genitais foi duas vezes maior nas mulheres do que nos homens, além de ocorrer com maior frequência em pacientes com história prévia de infecção micótica genital, homens não circuncisados, diabetes mal controlada, obesidade grave, imunossupressão e hábitos de higiene inadequados3.


4. Depleção de volume – Hipotensão

A diurese osmótica induzida pelo SGLT-2i pode levar a alguns eventos adversos relacionados à depleção de volume em indivíduos suscetíveis. Dados do EMPA-REG OUTCOME trial4 apontam que a proporção de pacientes com eventos adversos por depleção de volume foi semelhante no grupo placebo, empagliflozina 10 mg ou 25 mg, em uma população com idade média de 63 anos, antecedentes de doença cardiovascular e já tratados com vários anti-hipertensivos (entre os quais 43% dos pacientes receberam diuréticos)4. Assim como, as taxas de hipotensão e desidratação foram baixas e quase semelhantes em pacientes tratados com dapagliflozina no DECLARE-TIMI5. Entretanto, no CANVAS trial6, foi observado maior proporção de eventos adversos relacionados à depleção de volume no grupo canagliflozina (taxa de eventos de 26.0 vs. 18.5; p = 0,009).

Embora a eficácia e a segurança do SGLT-2i em pacientes idosos sejam consistentes com o que foi observado na população em geral, os riscos e benefícios associados ao tratamento devem ser avaliados em pacientes geriátricos, caso a caso. De fato, o efeito diurético osmótico pode levar à hipotensão postural e tontura em indivíduos suscetíveis. O ajuste da dose e cuidado especial deve ser recomendado para os pacientes em uso de diuréticos de alça, especialmente idosos, se houver preocupaçao a efeitos colaterais relacionados a depleção de volume ou insuficiência renal.

Antes do início do tratamento com inibidores do SGLT-2i, o status volêmico deve ser avaliado e corrigido. Durante a terapia, os pacientes devem ser monitorados quanto a sinais e sintomas de hipotensão e tratados conforme apropriado.



5. Cetoacidose “euglicêmica”

Tanto o FDA (EUA) como a EMA (Europa) alertaram que SGLT-2i podem resultar em cetoacidose diabética euglicêmica e recomendaram uma vigilância pós-comercialização cuidadosa. Vale ressaltar que episódios de cetoacidose foram raramente relatados nos estudos clínicos.

Muitos dos casos de cetoacidose diabética associados ao SGLT-2i apresentaram-se sem hiperglicemia significativa (glicose <250mg/dL), o que pode atrasar o reconhecimento e o tratamento da doença. Notavelmente, vários casos foram descritos em pacientes com diabetes mellitus tipo 1, motivando a não liberação para uso nessa patologia.

A cetoacidose diabética deve ser considerada em um paciente com diabetes mellitus tipo 2 recebendo tratamento com inibidor de SGLT-2i que se apresenta com mal-estar, náuseas e/ou vômitos. O medicamento deve ser descontinuado e o tratamento apropriado iniciado. Os inibidores de SGLT-2i também devem ser interrompidos temporariamente durante doença aguda ou cirurgia ou para procedimentos clínicos que requeiram que os pacientes limitem ou interrompam a ingestão de líquidos.

Todos os pacientes devem ser educados sobre como manter hidratação suficiente e ingestão de carboidratos enquanto recebem inibidores de SGLT2-i.



6. Fraturas ósseas

Risco de fratura aumentado foi observado com a canagliflozina no CANVAS trial6, ocorrendo 12 semanas após o início do tratamento. O motivo para este aumento na incidência é desconhecido, no entanto, argumenta-se que o número aumentado de quedas pode estar relacionado ao aumento na incidência de fratura (1.5% placebo vs 1.9% canagliflozina 100mg vs 3.3% canagliflozina 300mg), potencialmente relacionadas à depleção de volume. Em outros estudos com a canagliflozina a incidência de fratura óssea foi baixa, por exemplo, CREDENCE trial7, no qual as taxas foram semelhantes entre os grupos canagliflozina e placebo (HR 0.98: (%%IC: 0.7-1.7). No momento, as evidências que associam SGLT-2i com alterações no metabolismo ósseo e risco de fratura são inconclusivas.


7. Amputações do membro inferior

No programa CANVAS6 foi identificado risco aumentado, aproximadamente 2 vezes maior, de amputação de membro inferior associado à canagliflozina em comparação com placebo. De forma semelhante ao ocorrido na incidência de fratura, no CREDENCE trial7, não foi observado diferença entre os grupos estudados (HR 1.11; IC 95% 0.79-1.56) na incidência de amputação. Meta-análise de 14 ensaios clínicos randomizados (N> 26.000) não demostrou associação entre os inibidores de SGLT2 e risco de amputação (OR 1.40; IC 95%: 0.81-2.41), mas a análise de subgrupo mostrou um risco aumentado para canagliflozina em comparação com outros hipoglicemiantes orais (OR:1.89; IC 95%: 1.37-2.60).



8. Gangrena de Fournier

A gangrena de Fournier, também conhecida como fasceíte necrosante, é uma condição séria, embora rara, causada por infecção bacteriana nos tecidos subcutâneos ao redor da região genital. Foram relatados, pelo FDA, 55 casos de gangrena de Fournier em pacientes que receberam inibidores SGLT-2i em comparação a 19 casos com outros hipoglicemiantes entre 1984 e 2019. Nenhum mecanismo fisiopatológico associando gangrena de Fournier com inibição de SGLT-2 foi identificado.



Take Home Leassons:

à o risco de hipoglicemia associada aos inibidores de SGLT2 é baixo, a menos que ocorra co-administração com insulina ou secretagogos de insulina;

à a infecção micótica genital é o evento adverso associado ao inibidor SGLT-2 mais comumente relatado, mas a relação com um risco potencialmente aumentado de ITU é menos direta;

à hipotensão (e outros eventos adversos relacionados à depleção de volume) podem ocorrer em indivíduos suscetíveis;

à o risco de cetoacidose euglicêmica geralmente é baixo em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 que estão recebendo inibidores do SGLT-2, principalmente se for mantida uma ingestão adequada de água e carboidratos; no entanto, é necessário um maior conhecimento desse evento adverso garantindo que o diagnóstico de cetoacidose euglicêmica não seja esquecido;

à indivíduos com co-morbidades associadas a um risco aumentado de fratura óssea podem ser inadequados para receber canagliflozina; no entanto, a evidência é inconclusiva.



Referências:

1. Radholm K, Wu JH, Wong MG, et al. Effects of sodium-glucose cotransporter-2 inhibitors on cardiovascular disease, death and safety outcomes in type 2 diabetes—a systematic review. Diabetes Res Clin Pract. 2018; 140:118–128.

2. Zhang YJ, Han SL, Sun XF, et al. Efficacy and safety of empagliflozinfor type 2 diabetes mellitus: meta-analysis of randomized controlled 194. trials. Medicine (Baltimore). 2018;97: e12843.

3. Donnan JR, Grandy CA, Chibrikov E, et al. Dose response of sodium glucose cotransporter-2 inhibitors in relation to urinary tract infections: a systematic review and network meta-analysis of randomized controlled trials. CMAJ Open. 2018;6: E594–E602.

4. Zinman B, Wanner C, Lachin JM, et al. Empagliflozin, cardiovascular outcomes, and mortality in type 2 diabetes. N Engl J Med 2015; 373: 2117-28.

5. Wiviott SD, Raz I, Bonaca MP, et al. Dapagliflozin and cardiovascular outcomes in type 2 diabetes. N Engl J Med 2019; 380: 347-57.

6. Neal B, Perkovic V, Mahaffey KW, et al. Canagliflozin and cardiovascular and renal events in type 2 diabetes. N Engl J Med 2017; 377: 644-657

7. Perkovic V, Jardine MJ, Neal B, et al. Canagliflozin and renal outcomes in type 2 diabetes and nephropathy. N Engl J Med 2019; 380: 2295-2306.




Dr. Márcia Noya

Coordenadora Cardiologia do Hospital Aliança Rede D’Or – (BA)

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