Os primeiros dias do ano trouxeram um relato de caso de interferência de um celular em um cardiodesfibrilador implantável (CDI). A proximidade do celular Iphone 12 com a loja (local do subcutâneo ou plano submuscular que abriga o gerador) do gerador da Medtronic fez o dispositivo inibir as terapias, ou seja, o CDI não iria mais identificar arritmias graves, nem fazer terapias anti-taquicardia ou administrar choques. Há três dias outro médico testou um iphone 12 sobre um gerador de marcapasso novo (não implantado) e o marcapasso entrou em modo assíncrono com a proximidade.
A Associação Brasileira de Estimulação cardíaca (ABEC/ DECA), a Apple e a Medtronic fizeram comunicados sobre essa interferência em dispositivos implantáveis.
A interferência externa nos dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (marcapassos, ressincronizadores, desfibriladores e monitores de eventos) não é uma novidade. Temos registro de interferência causada por artefatos de rede elétrica, campos magnéticos de várias intensidades (como imãs e aparelhos de ressonância magnética nuclear) e tremores musculares. O uso de imãs sobre o gerador em cirurgias é uma ferramenta muito utilizada em cirurgias de emergência. O campo magnético do imã modifica a forma de funcionamento de um marcapasso para modo assíncrono (estimula em uma frequência fixa independente do ritmo percebido). Isso faz com que o marcapasso não seja perturbado pela corrente do bisturi elétrico.
Em um CDI o efeito do imã é outro: ele inibe as terapias mantendo a estimulação. Isso pode auxiliar o atendimento na emergência. Por exemplo, o imã inibe os choques de um paciente em tempestade elétrica, permitindo que o médico o atenda de acordo com as diretrizes do ACLS, registre eletrocardiograma, administre sedação adequada e realize intubação se necessário. Apesar de parecer contrassenso inicialmente, muitas terapias dos CDI são inapropriadas, causadas por arritmias benignas. Nesse cenário parar as terapias é mais importante que reverter a arritmia em si.
Já existe, de longa data, orientação de manter dispositivos eletrônicos a 15 cm de geradores de controle de ritmo cardíaco (Os geradores são a parte que contém o processador, bateria e que fica alojado sob a pele do paciente, perto da cicatriz). Geralmente esse risco foi considerado virtual, mas o aumento do número de modelos de celulares e funções de wearables tornou cada vez mais provável encontrar uma pessoa comum “vestida” de aparelhos tecnológicos, que geram um campo magnético de magnitudes variáveis.
Celulares como o Iphone 12, que é um dispositivo que permite carregamento por indução, criaram um novo cenário (e essa explicação foi utilizada pelo autor do artigo como um potencializador da interferência magnética). É impossível testar todos os dispositivos e todos os celulares do mundo (mesmo sem considerar desgastes e danos ao isolamento dos celulares).
Além da orientação de manter celulares a 15 cm de dispositivos de ritmo devemos observar que a distância deve aumentar quando estes estão conectados aos carregadores (é sugerido ampliar esse raio de segurança para mais de 30cm da loja do Gerador).
Sendo mais preciso, quando considerarmos outros dispositivos que não os celulares deste modelo: as Diretrizes Brasileiras da SBC, publicadas em 2007, já trazem as recomendações de se manter a distância mínima de 15cm entre o DCEI e o telefone celular menos potente (≤3 Watts, a maioria) e 30cm no caso de aparelho mais potente (Maiores que 3 Watts).
Eletrofisiologista da Rede D’Or São Luiz.
Especialista em Cardiologia (SBC) área de atuação em Eletrofisiologia Clínica e Invasiva (SOBRAC) e estimulação cardíaca (ABECDECA). Doutor em ciências pela Unifesp. Atual diretor de comunicação da Associação Brasileira de estimulação cardíaca
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