Haemodynamic-guided management of heart failure (GUIDE HF): a randomized controlled trial.
Nada mais plausível do que guiarmos a terapia para insuficiência cardíaca (IC) baseada em parâmetros hemodinâmicos. E se fosse possível termos esses dados em pacientes ambulatoriais com o uso de um dispositivo implantável em artéria pulmonar? Em 2017, Givertz et al (CHAMPION-HF trial)1 descreveram como as intervenções farmacológicas adaptadas a hemodinâmica foram responsáveis por resultados favoráveis em pacientes com IC NYHA III, independente da fração de ejeção, resultando em redução de 28% na taxa de hospitalização por insuficiência cardíaca em 6 meses. Até o momento não estava claro se esses benefícios se estendem a pacientes com sintomas leves (NYHA II) ou mais graves (NYHA IV).
O GUIDE-HF trial2 foi projetado para avaliar se o tratamento guiado por monitoramento remoto da pressão em artéria pulmonar poderia reduzir hospitalizações e mortalidade em todo o espectro de gravidade (NYHA II-IV), independente da fração de ejeção, com peptídeo natriurético elevado ou passado recente (30dias) de hospitalização por insuficiência cardíaca. Limiares pré-especificados definiram valores de BNP ≥250 pg/mL ou valores de NT-proBNP ≥1000 pg/mL como elevados, com correções para fração de ejeção do ventrículo esquerdo e índice de massa corpórea, mas não para fibrilação atrial. O estudo foi conduzido em 118 centros na América do Norte (1 007pacientes) e 04 centros no Canada (15 pacientes). Após o implante bem-sucedido do sensor de pressão da artéria pulmonar (taxa de sucesso: 97,8%) os pacientes foram aleatoriamente designados (1:1) para o grupo de tratamento (guiado por pressão na artéria pulmonar) vs grupo controle. É importante ressaltar que em ambos os grupos foi implantado o sensor em artéria pulmonar, porém os investigadores não tinham acesso aos dados do grupo controle. De forma resumida era recomendado, de acordo com panejamento pré-definido, a titulação de diuréticos se a pressão da artéria pulmonar fornecesse evidências de volume intravascular excessivo e a titulação de vasodilatadores foi recomendada se resistência vascular elevada. As características clínicas foram semelhantes entre os grupos de estudo: 30% NYHA II, 65% NYHA III e 5% NYHA IV, 36% da amostra com relato de hospitalização prévia, 44% randomizados por peptídeos natriuréticos elevados e em 20% por sintomas e BNP elevado.
O GUIDE-HF trial foi um estudo negativo. Não foi evidenciado diferença no desfecho primário (mortalidade e hospitalização por IC) entre os grupos. Ocorreram 253 eventos (0,563 por paciente-ano) no grupo de tratamento e 289 eventos (0,640 por paciente-ano) no grupo de controle (HR 0,88 - IC 95%: 0,74–1,05; p=0,16). Os autores então realizaram análise de sensibilidade antes e após o bloqueio decorrente da pandemia por COVID-19. Nesta análise obtiveram HR de 0,81 (IC95%: 0,66 - 1,00; P = 0,049) modificando o resultado final observado. Esta forma de análise nunca antes tinha sido realizada. Nos desfechos secundários analisados também não foi evidenciado benefício da terapia guiada na qualidade de vida ou capacidade funcional.
Então como devemos interpretar o estudo: pela análise geral (negativa) ou análise de sensibilidade (positiva)?
Antes precisamos rever alguns dados da população analisada:
· A população do GUIDE-HF é de menor risco do que os pacientes no estudo CHAMPION com cerca de 44% dos pacientes NYHA III sem relato de hospitalização por IC;
· 47% dos pacientes com FE > 40% (CHAMPION trial: 13%);
· Mortalidade de 5% em 12 meses, considerada baixa pelas múltiplas comorbidades descritas o que levou a menor quantidade de eventos do que o planejado;
· Pressão diastólica da artéria já estava na faixa-alvo para cerca de 50% dos pacientes no início do estudo. Pouca possibilidade de modificação em curto prazo;
· Tempo curto de follow-up: 12 meses;
· Bloqueio da pandemia pode ter resultado em modificação de hábitos de vida e menor procura pelos serviços de saúde.
Isso nos leva a pensar que, talvez, o GUIDE-HF trial tenha selecionado uma população de baixo risco e, portanto, menos suscetível a melhora com a intervenção adotada. Não devemos nos deixar influenciar por uma análise de sensibilidade do estudo. O resultado final, englobando toda a população estudada, deve ser o adotado. Essa multiplicidade, pode encorajar o equívoco na interpretação do resultado e o efeito de tratamento em subgrupo relatado podem ser apenas ilusório, mesmo sendo previamente determinada.
De forma resumida, o resultado do GUIDE-HF trial deve ser considerado negativo. Ficamos com a mensagem de que em população de baixo risco o monitoramento da pressão arterial não deve ser incorporada na nossa prática habitual.
Referências:
1. Pulmonary Artery Pressure-Guided Management of Patients With Heart Failure and Reduced Ejection Fraction. Givertz MM et al. J Am Coll Cardiol 2017; 70:1875-1886
2. Haemodynamic-guided management of heart failure (GUIDE-HF): a randomised controlled trial. Lancet 2021. Published online August 27, 2021 https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)01754-2 .
Dra. Márcia Noya
Coordenadora Cardiologia Rede D’Or Hospital Aliança - Bahia
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