No dia 29 de agosto de 2021, durante o Congresso Europeu de Cardiologia, o Dr. Eduardo Ramacciotti apresentou o Michelle trial. Durante a sua apresentaçãoo mesmo ressaltou que o SARS-Covid 19 é uma doença pró-trombótica sendo ainda uma incógnita se a anormalidade da coagulação é devida a ação direta viral ou indiretamente causada por uma tempestade de citocinas em conjunto com lesão endotelial. Porém, parece haver uma clara indicação para tromboprofilaxia em pacientes com a doença após a avaliação risco x benefício. Por outro lado, não há consenso sobre o tratamento estendido de profilaxia uma vez que as recomendações atuais são ainda conflitantes.
O MICHELLE trial foi um estudo prospectivo, multicêntrico, randomizado, aberto e controlado que incluiu 320 pacientes internados com SARS-Covid 19 com escore de IMPROVE ≥ 4 ou escore de IMPROVE entre 2-3 com dosagem de Dímero-D > 500 ng/mL em uso de heparina e que receberam alta hospitalar. O grupo placebo não recebeu anticoagulação após a alta sendo o grupo intervenção submetido a 10mg de Rivaroxaban ao dia. Ao final de 35 dias, ambos os grupos realizaram angio tomografia protocolo TEP e ultrassonografia doppler venoso de membros inferiores. Os principais critérios de exclusão foram riscos elevados de sangramento, requerimento de anticoagulação após alta, uso de dupla terapia antiplaquetária durante internação, depuração de creatinina < 30mL/min ou uso de medicações inibidores/indutores da glicoproteína-P ou citocromo P3A4.
O desfecho primário foi um composto de: tromboembolia venosa (TEV) sintomática, morte relacionada a TEV ou detecção de TEV em membros inferiores ou angiotomografia pulmonar, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral isquêmico, eventos adversos maiores de membros inferiores e morte cardiovascular em 35 dias. O desfecho de segurança foi a incidência de sangramento maior de acordo com os critérios do ISTH.
O estudo teve pequena perda de seguimento (um paciente em cada grupo), as características basais entre os grupos foram similares sendo compostos por uma idade média de 57 anos, 40% do sexo feminino e 50% dos pacientes tendo internação em terapia intensiva. Dois terços da população com escore de IMPROVE entre 2-3 e um terço com escore de IMPROVE ≥ 4. Mais de 90% dos pacientes do estudo tinham Dímero-D acima do valor de referência durante a hospitalização. O resultado do estudo mostrou que 9,43% dos pacientes do grupo placebo foram acometidos por eventos do desfecho primário enquanto 3,14% do grupo Rivaroxaban atingiram o mesmo desfecho levando a uma redução do risco relativo de 67% IC (0.13-0.90), p=0.03 (para superioridade) com um NNT=16 a favor do grupo de pacientes que utilizaram Rivaroxaban. Não houve sangramento maior em nenhum dos pacientes do estudo. Ao analisar os desfechos secundários que direcionaram o resultado principal do estudo destaca-se a maior incidência de embolia pulmonar sintomática, assintomática e fatal no grupo controle. Os desfechos de segurança mostraram baixas taxas de sangramento como a ausência de eventos maiores e dois sangramentos não maiores clinicamente relevantes em cada grupo. A análise de subgrupo mostrou resultados consistentes em todos os subgrupos analisados direcionando os resultados a favor do grupo Rivaroxaban.
Conclusivamente, o estudo MICHELLE mostrou que, em pacientes após internação por SARS-Covid 19 e elevado risco trombótico pelo escore de IMPROVE, o uso de Rivaroxaban 10mg por 35 dias melhorou desfechos clínicos sem aumentar o risco de sangramento comparativamente a não anticoagulação pós alta.
Dr. André Feldman
Coordenador Cardiologia Hospitais RedeD´or São Luiz – Regional SP
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