A comunicação interatrial (CIA) é a anomalia cardíaca congênita mais prevalente em adultos, representando cerca de 35% de todos os defeitos cardíacos congênitos. Apresenta forte predomínio no sexo feminino na razão de 2 para 1. Como a sintomatologia é escassa, o diagnóstico desta doença pode passar despercebido na faixa etária pediátrica, sendo estabelecido apenas na vida adulta.
Consideram-se quatro tipos anatômicos principais: 1) o tipo mais frequente “ostium secundum” ou da fossa oval, corresponde a 75% dos casos, podendo ser um defeito único, múltiplo ou apresentar-se como fossa oval multifenestrada; 2) o tipo “ostium primum” situado na parte mais baixa do septo, correspondendo a 15% dos casos; 3) o tipo seio venoso, situado próximo à desembocadura das veias cavas correspondendo a 8-9% dos casos; 4) por fim o mais raro, denominado de seio coronário, usualmente encontrado com anomalia de conexão de uma veia cava superior esquerda persistente, abrindo-se no teto do átrio esquerdo e correspondendo a 1- 2% dos casos.
A apresentação tardia deve-se ao insidioso desenvolvimento do remodelamento ventricular direito, com aumento das câmaras cardíacas direitas. Frequentemente, há uma pergunta, por que certos pacientes com comunicação interatrial pequena apresentam “shunts” significativamente maiores que outros com grandes defeitos? Isso porque o volume do “shunt” depende da complacência ventrículo direito (VD)/ventrículo esquerdo (VE), da dimensão do defeito e da pressão átrio esquerdo/átrio direito. Uma CIA simples resulta num “shunt”esquerdo-direito (E-D), devido a uma maior complacência do VD em comparação com VE e provoca sobrecarga de volume do VD e débito pulmonar elevado. O “shunt” E-D aumenta com redução da complacência do VE ou qualquer condição que eleve a pressão do átrio esquerdo (hipertensão, doença cardíaca isquêmica, cardiomiopatia, doença valvular aórtica ou mitral). A complacência do VD reduzida (estenose pulmonar, HAP, outra patologia do VD) ou doença da válvula tricúspide podem reduzir o shunt E-D, ou até mesmo causar inversão do “shunt”, provocando cianose.
Os pacientes na grande maioria das vezes permanecem assintomáticos até idade adulta, embora a maioria desenvolva sintomas a partir da quarta década, como redução da capacidade funcional, dispneia de esforço, palpitações (taquiarritmias supraventriculares), e com menos frequência infecções respiratórias e insuficiência cardíaca direita. As embolias sistêmicas podem ser provocadas por embolia paradoxal (rara) ou fibrilação atrial.
Não é infrequente o seguinte cenário clínico: por exemplo, paciente de 30 anos ou mais, do sexo feminino, assintomática, dois partos normais anteriores sem complicações, ausculta cardíaca normal, área cardíaca normal à radiografia de tórax, ECG com distúrbio de condução de ramo direito e ecocardiograma transtorácico mostrando comunicação interatrial do tipo “ostium secundum”, de cerca de 10mm, com repercussão hemodinâmica. O que fazer? Qual é a indicação de tratamento em uma paciente adulta assintomática? Qual o método terapêutico de escolha neste caso? Cirurgia ou prótese?
Primeiramente, seguindo a recomendação da ESC (Sociedade Europeia de Cardiologia), é indicado o fechamento da comunicação, nos casos de sobrecarga de volume do ventrículo direito, sem sinais de aumento da resistência vascular pulmonar (menor que 5) e Qp:Qs maior que 1,5.
Posteriormente, o ideal é a realização do ecocardiograma transesofágico para identificar: o tamanho do defeito (existe uma variação do diâmetro da comunicação interatrial com o ciclo cardíaco, que pela ecocardiografia bidimensional, não se tem a exata noção desta perspectiva, sendo possível demonstrar essa variação de diâmetro com os múltiplos cortes transesofágicos ou 3D); a definição das bordas; afastar drenagem anômala de veias pulmonares e a confirmação do “shunt” esquerdo-direito.
Com as informações do ecocardiograma transesofágico decide se o fechamento do defeito será por via percutânea ou cirúrgica.
Atualmente, o tratamento de escolha para CIAs tipo “ostium secundum” é o percutâneo. Porém, alguns casos não são favoráveis para o implante: tais como comunicação interatrial >38mm de diâmetro estirado, comunicação interatrial relativamente grande para as dimensões do paciente (nas quais as dimensões dos átrios não comportariam a presença da prótese), localizações muito excêntricas (bordas superior, inferior ou posterior insuficientes), septos atriais muito complacentes, finos, que não ofereçam muito suporte para a sustentação do dispositivo e associação com drenagem anômala de veias pulmonares. Mesmo com essas limitações, estima-se que seja possível ocluir cerca de 70-80% de todos os defeitos com próteses.
Quando a oclusão do defeito é tardia (maior que 40 anos), tanto pelo método cirúrgico ou por prótese, muitas vezes não elimina os problemas clínicos crônicos, como as arritmias e disfunção ventricular. Mas a oclusão do “shunt” reduzindo o hiperfluxo pulmonar, especialmente naqueles que receberam o tratamento pelo cateterismo, tem impacto na melhoria dos sintomas, como dispnéia, cansaço aos esforços, tosse crônica e melhora da qualidade de vida.
Lembrando que esses adultos com CIA merecem uma cuidadosa avaliação antes da indicação da correção cirúrgica ou percutânea. Mesmo que a avaliação diagnóstica não invasiva seja suficiente na maioria dos casos, quando há suspeita de elevação da resistência vascular pulmonar (presença de “shunt” direito-esquerdo, saturação de oxigênio menor que 93%, defeitos grandes com Qp:Qs baixos, pressão média da artéria pulmonar elevada) o cateterismo cardíaco deve ser considerado para estudo de pressão pulmonar. Como também nos casos de disfunção do VE (tanto sistólica como diastólica), pois o fechamento pode provocar congestão pulmonar, o que requer a realização de exames prévios à intervenção e tratamento.
Após o fechamento da CIA com dispositivo, recomenda-se uso de aspirina por 6 meses.
Assim, os pacientes com comunicação interatrial com algum grau de repercussão hemodinâmica devem ser tratados para evitar problemas clínicos no futuro, além de aumentar a longevidade, mesmo sendo esses pacientes totalmente assintomáticos no momento do diagnóstico.
Dra. Tathiana Davoglio
Cardiologista Pediátrica do Hospital São Luiz Anália Franco
Médica do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
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